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segunda-feira, 12 de março de 2007

Mundinho

Este post é uma resposta ao desafio proposto.

Era uma bela tarde de quarta-feira e Rosângela resolveu sair de sua toca. O sol já não raiava como antes, agora a sua intensidade era infinitamente maior. Mas apesar do clima afetado, ainda era uma bela tarde de quarta-feira. Aproveitou o ânimo que havia no ar para sair de seu inferno pessoal: estava desempregada. Mas não apenas desempregada, ela estava humilhada. A cada rejeição, menor era a sua auto-confiança. A cada portifólio entregue, menos chances ela tinha, e pior ela ficava. Publicitários são assim mesmo, todos tem o ego maior que seus atributos genitais. Ainda mais ela, que era da área de criação. Esses seres insuportáveis, sempre querendo estar acima dos outros, nunca descem de seu pedestal particular e juram que só porque criam anúncios meia-boca para o dentista da esquina são infinitamente superiores e donos da verdade. Patéticos, estes.
Pois não foi que Rosângela topou com a sua sorte dentro de um ônibus? Sim, um mísero e humilde ônibus, objeto de desgosto por ela e pela maioria de seus amiguinhos estudantes de comunicação. Afinal, a pseuso-intelectualidade e o egocentrismo imenso não combinam com o suor trabalhador do povão, já dizia Kant. Ou será que foi Nietzche? Adorno? Canclini? Ah, num sei, vou ver na Wikipédia.
Ela, com a sua bolsa marrom com os dizeres "Publicidade e Propaganda" (todo aluno universitário DEVE comprar uma mala com o nome de seu curso, é a lei suprema e imutável), sentou no fervente banco de couro do ônibus, e logo em seguida senta ao seu lado um sujeito barbado, com um ar patriarcal e experiente (estes dois títulos eram pra ser intimamente ligados, mas nem sempre é o caso). Rosângela, limitada ao seu mundinho da profundidade superficial, ignorou a presença do bem apessoado senhor. Lá pelas tantas, alguns quilômetros depois, este lhe oferece um objeto que ela demorou a reconhecer, e receosa, aceitou. Seu preconceito inicial quanto ao gesto do senhor logo se transformou em uma profunda agitação interna, quando bateu os olhos no cartão que dizia: "Wagner Amarante - Diretor de Criação". Ela foi pega de surpresa. Virou o cartão e lá estava a logomarca da WSS/Beyond, famosíssima agência de propaganda, com filiais espalhadas por todos os continentes e detentora dos principais prêmios do mundo umbilical publicitário. Rosângela estava anestesiada e desconfiada ao mesmo tempo. O que estaria um comunicador fazendo em um ônibus como aquele? Não teria ele rios de dinheiro para comprar o seu próprio carro? Apenas mais tarde ela descobriria que o que ele fazia lá era estudo de campo para uma nova loja de departamentos com apelo popular. Rosângela desceu logo que pôde e sem pestanejar foi buscar os seus melhores trabalhos. Eram todos medianos, porém sua entrevista foi relativamente boa. Parecia insegura e com medo, mas era justamente esse o tipo de pessoa que procuravam. Foi contratada. Não podia acreditar, era uma chance praticamente nula. Um mísero estágio em uma agência destas era um presente dos deuses, uma dádiva, um acontecimento único.
Logo estaria entre a nata publicitária, em meio a holofotes e entrevistas a revistas especializadas (leia-se umbilicais). Ledo engano. Logo percebeu que seria uma jornada árdua, uma competição de egos, onde o dela era o menor deles. Dias e dias trabalhando até tarde, faltando aulas, sendo menosprezada pelo pessoal "criativo", tendo idéias rejeitadas. E idéias rejeitadas. E mais idéias rejeitadas. Em seu rosto haviam as marcas do esforço e cansaço de três semanas acumuladas. Já havia esquecido o que era fim de semana. Perdera três dos seus já poucos quilos, e por cima gastava todo o seu não-salário com comida (uma mega-agência destas jamais iria pagar meros estagiários. Quem não gostasse da idéia que cedesse o lugar para o próximo, a fila era grande)
Na madrugada de sábado, Rosângela recebeu mais um briefing. Era mais um no meio de tantos que não conseguia resolver. Vou ter de cancelar o almoço na Rita, pensou ela. Não havia mais folga. Este novo trabalho era um anúncio roda-pé de jornal para, pasmem, o dentista da esquina. A verba era pouca e o tempo menor ainda. Segunda-feira pela manhã deveria entregar a peça aprovada. Pensou em desistir. Desabou sobre a sua apertada e isolada mesa e chorou. Chorou como nunca havia chorado antes. Era a única no escritório. Todos os outros estavam a essa hora ou dormindo ou bebendo ou transando, enquanto ela chorava. Caiu no sono e acordou seis horas depois, desesperada. Tinha de tirar o atraso, e caiu no batente novamente. Sem se alimentar, ficou o resto do domingo escrevendo e layoutando e refilando. Esqueceu de avisar a Rita, "ela vai me matar", pensou Rosângela. Segunda-feira chegou. Eram oito da manhã e a peça deveria estar nas mãos do cliente às dez. Às nove foi reprovada. Na frente de todos, o mesmo Wagner de aparência patriarcal e experiente estava agora enfurecido com tamanha inaptidão para a propaganda. "Me arrependi de ter te contratado!", berrava. Agora não havia mais tempo, a peça iria assim para os jornais. Cansada e desolada, Rosângela foi para casa ao final do expediente, após um dia transtornado e estressante. Não conseguiu dormir. Duas semanas se passaram após a veiculação do anúncio. Duas semanas pesadas e que fizeram Rosângela repensar toda a sua carreira. Estaria ela no lugar errado? Lá pelas tantas da tarde, ela veio a receber uma notícia inesperada: seu anúncio de roda-pé tinha sido muito bem aceito pelo público, o número de visitas ao consutório havia quadruplicado e por causa do sucesso da tira iria ser feita uma campanha de página inteira no jornal de maior circulação local. Sem contar que o dentista ali da esquina agradeceu-lhe pessoalmente e disse não imaginar que um simples anúncio o faria pensar em ampliar a sua sede.
Clientes pequenos geralmente vão para estagiários, e agora não havia sido diferente. O consultório cresceu e com ele cresceu Rosângela. A maior rede odontológica do país e a maior publicitária do país. Sua vida profissional havia se tornado aquela tarde de quarta-feira: difícil de suportar porém belíssima.

5 comentários:

Anônimo disse...

Viu, é muito foda, tem que terminar, msa sempre sem terminar, ficou boa ;D


vou ali comprar um chocolate ;**

Rodrigo Baptista disse...

tanto suor pra um comentario DESSES? hein? XD

viado =P

Anônimo disse...

ahuah tá tá, pelo menos admitiu, suor, cansou fazer um texto não triste ;p
mas gostei o jeito que escreveu, até porque, mesmo não sofrendo tanto, eu sei como é estagiar e pá, ver o trabalho sendo usado, ou não xD.
eu não tenho mala com o nome do meu curso, acho brega, além de que todos podem usar a mala e se pagar de seu curso, mas se o cara faz direito e faz o mesmo ele se acha 3 milhõpes de vezes mais que o cara que faz o mesmo mas cursa...Letras.

e o bom é que a mulher cresce durante o texto, sofre pelo que fazia as pessoas sofrer ve o mundo de outro angulo, mais embaixo, é embaixo que dói mais, bem no bago esquerdo.

esse cometário ficou bom, devia postar no blog.

Rodrigo Baptista disse...

NÁU IS BETÁ!

Rodrigo disse...

com paragrafos mais definidos ficarava MAIS GOSTOSO de ler