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quarta-feira, 21 de julho de 2010

A dois.

"Faustosa noite até então", pensara ele em meio a um turbilhão de outros pensamentos. Estava na melhor das companhias, naquela que há muito desejava. Não relutava em esconder o estupor gratificante que tinha ao vislumbrá-la em atividades banais. Para ele, até mesmo um mero devaneio introspectivo e inconsciente dela o fazia estremecer. Era única, ímpar, majestosa. O que a distinguia de quaisquer outras amantes não tinha relação alguma com sua beleza díspar, mas sim com o simples fato de ele a achar desafiadora. Dona de uma perspicácia solene, sua inteligência austera e indefectível multiplicava a atração que ele sentia esvair por seus poros. Qualquer fosse o momento, sempre haviam de confabular. Nos raros momentos onde o falatório inexistia, inexistia também o desconforto que muitas vezes o silêncio costumava causar. E lá estavam, regozijando o agora, como se este fosse infindável.

Adentraram o átrio do recinto no início da madrugada e se dirigiram ao elevador adiante. Ele observava o corpo dela, delineado pelo vestido fino que usava, e reparava nas curvas e nas marcas que sua calcinha faziam. Adoraria pensar em inúmeros adjetivos para descrevê-la naquele e em tantos outros momentos, mas lá estava ele, embasbacado com um simples e sincero "linda". Ao abrir a porta do elevador, se certificou de que não seriam interrompidos no meio da subida. Não poderia se basear em nada a não ser em seu instinto para adivinhar se seriam parados ou não, mas confiou nele. Na metade do trajeto, sem aviso prévio, abaixou-se levantou a saia da garota. Ela, pasma, nada fez para o impedir, pois sabia o que aconteceria. Sentiu sua calcinha deslizar para o lado, e tão logo sentiu também o calor da língua de seu amante. Não haveria como fingir prazer, tamanha a umidecência instantânea no momento. Ele se viu estupefato, porém não esmoreceu diante da surpresa. Recobrou sua postura pouco antes de o elevador se abrir, e a conduziu à entrada de seu apartamento.

A sala escura e silenciosa era um chamariz para não cessarem em seus ímpetos carnais. Sabia que a casa estava ocupada, como também tinha ciência de que os que lá residiam estavam adormecidos. Sem titubear, a pegou pela mão e juntos foram à cozinha, local com menor chance de um possível e vexaminoso flagrante. Colocou-a contra a bancada da pia, onde, pressionando com ardor, a beijou com veemência. O perfume que exalava da pele e dos cabelos da garota o inebriavam, era um elixir venenoso, que o fazia se sentir vivaz ao mesmo tempo em que fenecia lentamente em seus braços. A protegia, segurando seu corpo pequeno com devoção e entusiasmo, enquanto tocava sua pele extremamente quente e macia. Não resistiu e a apalpou novamente por debaixo da saia, acariciando suas nádegas volumosas, para então notar que a calcinha continuava na posição em que havia deixado. Como mágica, seus dedos deslizaram para dentro da garota, que, como num reflexo, cerrou seus olhos com deleite e se entregou àquele momento sublime.

Sentindo o interior aconchegante em suas mãos, ele percebeu que o que importava e lhe daria mais prazer naquela hora seria o total gozo dela. Tendo isso em mente, continuou a pressionando por dentro até deitá-la no chão da cozinha. Não se importava com o lugar, era indiferente quanto a isso. E ali, entre a geladeira e o microondas, mais uma vez levantou sua saia e vislumbrou com ardor a mulher delicada e ofegante que jazia à sua frente. Mais uma vez tornou a sorvê-la, e o fez como nunca havia feito com outras mulheres. Agradava-lhe o fato de ela ter tamanha intimidade com ele, ali. Sentia-se entregue e a respeitava, pois sabia que ela sentia o mesmo. Novamente com os olhos cerrados, ela soltava gemidos e leves espasmos à medida em que ele a beijava. Segurava a cabeça dele com as mãos, puxando seus cabelos às vezes com força e às vezes de forma delicada. Sussurrava seu nome com tamanho furor que mais parecia um brado silencioso. "Para, para, não faça isso comigo", mentia. No chão da cozinha, sem se importar com quaisquer outras pessoas que poderiam aparecer, se amaram. E a memória daquele momento perdurou por muito tempo.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Uma curta história sobre a meretriz esquecida.

A calcinha frouxa, o sutiã manchado e desbotado, a meia-calça embolorada. Lá estava ela, pronta para mais uma noite em que o fervor da decepção a assolaria. Desprovida de condições estéticas para conquistar solitários rapazes, varava as madrugadas chafurdando na desolação que a rejeição a colocava. Entrara nisto que chamam de "vida fácil" pela escassez de opções para sobreviver. No entanto, para seu pavor, a prostituição em nada lhe agregara financeiramente, mostrando que de fácil nada havia. A falta de beleza natural, aliada à negligência em relação a cuidados externos a colocava em uma situação por vezes constrangedora, sendo a única de seu grupo noturno a não satisfazer os ímpetos sexuais de outrem.

Sua dentição era peculiar, desnivelada a ponto de surpreender o mais experiente dos ortodontistas. Seu odor azedo era disfarçado em vão por desodorantes baratos, cuja eficácia resultava em um dispêndio desproporcional de spray. Seu notável estrabismo podia ser percebido à distância, afastando os clientes mais perspicazes. Quanto aos incautos, fugiam descaradamente sem se preocupar com os sentimentos da garota de programa. Apesar de esguia, seus atributos estavam longe de atrair até os bêbados que tropegavam em seus próprios pensamentos. O cabelo falho, o nariz protuberante, as orelhas de proporções diferentes: ela tinha tudo para nunca suceder nesta ou em qualquer atividade que dependesse da aparência.

Contagiada com sua própria negatividade - adquirida pelos incontáveis fracassos, entrou em depressão profunda. Dia após dia, ia às ruas com o semblante denotando explícita frustração. Em seus devaneios internos, acreditava que alguém seria solidário o bastante para consolá-la ao perceber sua tristeza. Ledo engano. Se antes afastava clientes, agora afastava também suas companheiras de rua. Desistiu de tentar a sorte na sarjeta e nos botecos imundos apinhados de ignorantes. No dia seguinte, decidiu conseguir clientes graúdos, da alta sociedade. O garbo era perceptível na localidade em que escolhera. Executava, na praça em frente a um luxuoso hotel, poses ensaiadas que julgara ser sensuais. Abordava incessantemente homens poderosos, vestidos com finos trajes e portadores de responsabilidades inimagináveis. Mas em nada ela caprichara para chamar a atenção de uma forma que não fosse negativa. Estava tão ou mais deplorável quanto nos dias anteriores, no entanto o contraste entre airosidade e o limbo era gritante, tornando-a escandalosamente inadequada ao lugar.

Mas ela estava decidida a conquistar um cliente, e dos grandes. Vislumbrou ao longe um jovem homem, com cerca de trinta e cinco anos, forte e alto e careca. Com um porte físico invejável, poder-se-ia dizer que era um nadador profissional. E estava sozinho. Dentro do que julgava ser sensual, foi em direção ao rapaz, volta e meia pisando em falso nos vãos da calçada iluminada. Sentia o coração bater forte, convicta de que seria bem sucedida. Era o momento do triunfo, do abate, da consagração. Balbuciou uma série de palavras inaudíveis ao empresário, despejando acidentalmente gotas de saliva em todos os cantos, sem perceber. O homem, espantado, desviou-se e tentou ignorar a presença da imunda mulher, mas ela se adiantou novamente em direção a ele, desta vez com contato físico. Quando estendeu o seu braço e tocou o do homem, tropeçou novamente no vão da calçada e se estatelou do chão, derrubando-o consigo. Nisto, três homens truculentos surgiram e imobilizaram a fétida e barata meretriz, sem hesitar. Eram seguranças à paisana do empresário. Levaram-na a um canto escuro e deserto, espancaram-na até a morte e a largaram como uma indulgente. Apodreceu com sua calcinha frouxa, sutiã manchado e desbotado e a meia-calça embolorada.