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terça-feira, 6 de abril de 2010

O Padrinho.

Meu tio falou que ia me afogar. Acho que é porque ele é meu padrinho, e não meu tio. Não sei qual o motivo de ele não gostar de ser chamado assim. Deve ter a ver com aquele filme do mafioso que fala engraçado. "O grande chefão", ou algo assim. Nesse filme parece que eles matam gente da própria família. Aliás, achei estranho que quase a cidade inteira é da "família", e que tem uma família inimiga. Como assim? As pessoas são da mesma família, mas de famílias diferentes? Quanta família! Não entendo nada desses filmes de adulto.

Enfim, voltemos ao meu tio. Ele tem aquela pose de motoqueiro, apesar de não ter moto nenhuma. Sempre com a barba meio áspera, de um jeito que me dói quando ele vem me abraçar. Se for ver bem, não se parece em nada com o meu pai, sempre lisinho e penteado. Meu pai sim é um cara normal; alinhado, com cheiro de loção e falando um português cheio de palavras complicadas. Esses dias ele chamou meu tio de "boqueteiro" em uma briga. Fui correndo no dicionário procurar essa palavra, mas não encontrei. Além disso, levei um tapa na boca quando perguntei pra minha mãe o significado. Suponho que tenha algo a ver com aquelas coisas de matar gente da família, que nem no filme.

Ele tem uma filha, que é nova mas bem crescida. Não sei porque, mas quando fico perto dela, me sinto confuso. Meio nervoso, assim. Clarice Siqueira. Uma vez ela me abraçou e pude sentir que tinha um cheiro bom, e que era macia. Senti vontade de nunca mais largar. Tinha umas curvas diferentes, confortáveis. Nunca havia experimentado nada igual. Mas logo em seguida o meu tio me puxou com força, me separando dela. Não entendi o motivo de tanta grosseria, mas ele conseguiu transformar o meu sorriso em choro, pois ralei meus joelhos quando ele fez aquilo. "Não se aproveite, moleque insolente!", falou com braveza, entre os dentes, parecendo um cachorro raivoso. Acho que foi nesse dia que o meu pai brigou com ele. É, foi sim. "Meu filho não vai ser um boqueteiro igual a você". Ficaram várias semanas sem se falar.

Mas é claro que eventualmente eu acabei esquecendo, afinal crianças esquecem das coisas quando presenteadas. Ele me deu um posto de gasolina de brinquedo, desses com elevador e lava-rápido. Fui o garoto mais legal da vizinhança por vários dias, todo mundo ia brincar comigo. Era estranho, às vezes ele era simpático mas de vez em quando vivia brigando comigo, me deixando com medo. Agora há pouco, enquanto tomava banho de piscina com Clarice e o irmão neném dela, ele, meu pai e uns amigos do futebol faziam um churrasco na beira da piscina. Eles estavam lá, distraídos, e eu brincava de lutinha com Clarice. Sem querer, o biquini dela - bem pequeno, por sinal - escorregou e ela ficou com as partes redondas a mostra. Não consegui parar de olhar, era uma das coisas mais bonitas que eu já tinha visto. Mas nisso eu olhei pro lado e vi o meu tio correndo em minha direção, me pegando pelos braços e me chacoalhando com força na frente de todo mundo. "Seu moleque pervertido, vou te afogar". Ainda bem que o meu pai chegou bem na hora. Agora está todo mundo mais calmo, menos Clarice, que chora sem parar.

Pelo menos sempre depois que o meu tio fica nervoso eu ganho presentes. Falando nisso, lá vem ele trazendo uma roupa de médico, parece. Ou de açogueiro, não tenho certeza.

Oba!

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