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segunda-feira, 5 de abril de 2010

Ilusões

O cheiro dos lírios e da grama cortada a agradavam. Costumava acordar disposta quando tais odores entravam pela janela de seu quarto, especialmente se o dia estivesse ensolarado. Este era um destes dias, no entanto tinha levantado com a pior das sensações. Havia discutido na noite anterior, justo quando esperava ser surpreendida. Como toda mulher, adorava lisonjas, fossem ínfimas ou extravagantes; mas tudo que recebera fora a decepção inesperada.

Lavou o rosto inchado de sono em sua pia de mármore, onde geralmente levava minutos para escolher qual maquiagem usar; mas agora nem se importava com isso, tamanho o aperto que sentia por dentro. "Você não entende o que eu quero", lembrava e chorava, ouvindo em sua mente a voz rouca de seu então namorado. A discussão inesperada havia mudado drasticamente seus planos. Teria de reagendar uma miríade de eventos e cancelar muitos outros, mas isto nada era perto da desolação amarga na qual estava sendo submetida.

Apesar das imperfeições costumeiras de todo relacionamento, ela cria que este não estava fadado à destruição, e que resistiria incólume a inúmeros obstáculos. Suas diferenças, gostos e vivências eram díspares, mas ela nutria o pensamento de que eram complementares, e não incompatíveis. E de fato, o aprendizado era mútuo, como naquela canção em que "ela era de Leão e ele tinha dezesseis". Só que ele não enxergava por este prisma, deduzira ela, pois pelo seu discurso na noite anterior nada mais restava a ser feito.

Ainda no banheiro, se via novamente sem chão. A insegurança, que com vigor havia combatido, retornava em um ímpeto monstruoso, o que a deixava apavorada. Relutava em se deixar levar por novas paixões, temerosa pela decepção inevitável, e logo quando cedera, fenecera. Era mais um hecatombe frustrante em sua sofrível vida amorosa. Enquanto lutava para segurar um resquício de sanidade, ouviu a campainha da porta tocar. A mesma campainha que até recentemente era o prelúdio de afagos e risadas, anunciando a chegada de seu pretendente. Foi atender, atordoada e entorpecida, quando para sua surpresa, se deparou com inúmeras dúzias de rosas. Atônita, juntou o cartão e descobriu que tudo não passava de uma encenação para ludibriá-la. Era o aniversário do casal, na qual havia esquecido. Sentiu vontade de odiá-lo ainda mais, mas percebeu que o que sentia nada mais era do que amor.

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