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segunda-feira, 19 de julho de 2010

Uma curta história sobre a meretriz esquecida.

A calcinha frouxa, o sutiã manchado e desbotado, a meia-calça embolorada. Lá estava ela, pronta para mais uma noite em que o fervor da decepção a assolaria. Desprovida de condições estéticas para conquistar solitários rapazes, varava as madrugadas chafurdando na desolação que a rejeição a colocava. Entrara nisto que chamam de "vida fácil" pela escassez de opções para sobreviver. No entanto, para seu pavor, a prostituição em nada lhe agregara financeiramente, mostrando que de fácil nada havia. A falta de beleza natural, aliada à negligência em relação a cuidados externos a colocava em uma situação por vezes constrangedora, sendo a única de seu grupo noturno a não satisfazer os ímpetos sexuais de outrem.

Sua dentição era peculiar, desnivelada a ponto de surpreender o mais experiente dos ortodontistas. Seu odor azedo era disfarçado em vão por desodorantes baratos, cuja eficácia resultava em um dispêndio desproporcional de spray. Seu notável estrabismo podia ser percebido à distância, afastando os clientes mais perspicazes. Quanto aos incautos, fugiam descaradamente sem se preocupar com os sentimentos da garota de programa. Apesar de esguia, seus atributos estavam longe de atrair até os bêbados que tropegavam em seus próprios pensamentos. O cabelo falho, o nariz protuberante, as orelhas de proporções diferentes: ela tinha tudo para nunca suceder nesta ou em qualquer atividade que dependesse da aparência.

Contagiada com sua própria negatividade - adquirida pelos incontáveis fracassos, entrou em depressão profunda. Dia após dia, ia às ruas com o semblante denotando explícita frustração. Em seus devaneios internos, acreditava que alguém seria solidário o bastante para consolá-la ao perceber sua tristeza. Ledo engano. Se antes afastava clientes, agora afastava também suas companheiras de rua. Desistiu de tentar a sorte na sarjeta e nos botecos imundos apinhados de ignorantes. No dia seguinte, decidiu conseguir clientes graúdos, da alta sociedade. O garbo era perceptível na localidade em que escolhera. Executava, na praça em frente a um luxuoso hotel, poses ensaiadas que julgara ser sensuais. Abordava incessantemente homens poderosos, vestidos com finos trajes e portadores de responsabilidades inimagináveis. Mas em nada ela caprichara para chamar a atenção de uma forma que não fosse negativa. Estava tão ou mais deplorável quanto nos dias anteriores, no entanto o contraste entre airosidade e o limbo era gritante, tornando-a escandalosamente inadequada ao lugar.

Mas ela estava decidida a conquistar um cliente, e dos grandes. Vislumbrou ao longe um jovem homem, com cerca de trinta e cinco anos, forte e alto e careca. Com um porte físico invejável, poder-se-ia dizer que era um nadador profissional. E estava sozinho. Dentro do que julgava ser sensual, foi em direção ao rapaz, volta e meia pisando em falso nos vãos da calçada iluminada. Sentia o coração bater forte, convicta de que seria bem sucedida. Era o momento do triunfo, do abate, da consagração. Balbuciou uma série de palavras inaudíveis ao empresário, despejando acidentalmente gotas de saliva em todos os cantos, sem perceber. O homem, espantado, desviou-se e tentou ignorar a presença da imunda mulher, mas ela se adiantou novamente em direção a ele, desta vez com contato físico. Quando estendeu o seu braço e tocou o do homem, tropeçou novamente no vão da calçada e se estatelou do chão, derrubando-o consigo. Nisto, três homens truculentos surgiram e imobilizaram a fétida e barata meretriz, sem hesitar. Eram seguranças à paisana do empresário. Levaram-na a um canto escuro e deserto, espancaram-na até a morte e a largaram como uma indulgente. Apodreceu com sua calcinha frouxa, sutiã manchado e desbotado e a meia-calça embolorada.

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